As ações concertadas que sufocam jornais e blogueiros, por Percival Maricato
TER, 28/06/2016 - 09:19

As ações concertadas que sufocam jornais e blogueiros
por Percival Maricato
As ações dos juízes do Paraná contra Gazeta do Povo e o risco para mídias e blogueiros de todo o país (e de todas as ideologias)
Nada
menos que 48 juízes do Paraná iniciaram ações de indenização, em 48
comarcas diferentes, contra jornalistas do Gazeta do Povo, de Curitiba,
por este ter publicado uma reportagem sobre seus vencimentos.
Trata-se
de uma ação coordenada, pois não se pode conceber ser coincidência que
48 magistrados leram o mesmo jornal, no mesmo dia e se sentiram
igualmente indignados com o que seriam determinadas inverdades,
a tal ponto que se sentiram atingidos em sua honra e reputação, a tal
ponto que decidiram propor ações judiciais contra os mesmos jornalistas.
A
imprensa brasileira, desta vez sentindo na carne como pode ser usada a
liberdade e poder de um juiz, (pelo menos os que são contra a Gazeta do
Povo), o risco futuro que correm, mostra-se indignada. Os jornalistas
referidos teriam que correr todo o Paraná para estarem presente em cada
audiência determinada, sob pena de revelia.
E podem ser condenados em verbas elevadas, em especial se não
contratarem advogados locais (levar o advogado acabaria ficando mais
caro ainda).
Toda
mídia leva sua notícias além da cidade onde são feitas e a lei que
regula os juizados de pequenas causas diz que ações de reparação podem
ser propostas onde o leitor a recebe, lê e se sente ofendido. Os
delegados da Polícia Federal do Paraná também estão fazendo isso com
blogueiros contrários às suas atividades, ainda que aparentemente sem
essa coordenação. O blogueiro Luis Nassif terá que ir a Curitiba para
responder a ação semelhantes ajuizada pelo delegado geral local desse
órgão policial. É uma viagem cara, tem que contratar advogado local,
pode ser absolvido, mas não tem como recuperar essas despesas ou o custo
do tempo perdido.
Blogueiros
do lado conservador não devem comemorar pois correm igual risco. Um
deles no Rio publicou um post injuriando 700 signatários de um manifesto
contra o impeachment, citados nominalmente, cidadãos de todo o país.
Todos os 700 podem ajuizar ações por dano moral e até material, se
tiverem, contra o blogueiro e nas cidades onde moram. Ele passará os
próximos anos viajando e contratando advogados locais e pode ser
condenado nas ações se de fato a imputação for considerada injuriosa
pelo juiz.
Umas
poucas viagens para locais distantes quebram qualquer pequeno
empreendimento, impede o jornalista de trabalhar E não nos esqueçamos
que para se defender, o advogado local é praticamente imprescindível.
Mesmo a Folha de S.Paulo sentiu os ônus quando evangélicos em vários
locais do país ajuizaram ações concertadas em seus municípios, contra o
jornal.
É
justo que as ações não concertadas de quem abusa da liberdade de
opinião ou de imprensa, cometendo injúria, difamação, calúnia etc, sejam
aceitas pelos juízes e que o agressor seja processado e condenado. Em
certas situações, não só processado civilmente como até penalmente. Mas é
justo também que se houver abuso do pretenso ofendido, ele seja
condenado por má fé, na indenização pelo tempo, preocupação e despesas a
que foi obrigado o jornalista para se defender. Isso nada tem a ver
quando um grupo de ofendidos se junta para dividir despesas e propor uma
única ação, em um mesmo local, o que não pode ser tido como má fé.
Havendo
ações concertadas com finalidade de quebrar o jornal/jornalista, elas
devem ser repelidas, senão pelo juiz local, pelos tribunais superiores. É
preciso procurar fórmula processual ou aprovar lei que, havendo forte
suspeita que se trata de ação concertadas, sejam todas reunidas em um
mesmo tribunal. Infelizmente a Ministra Rosa Weber, do STF, recusou-se a
aceitar uma ação que tentava centralizar nessa Corte todas as ações dos
juízes do Paraná, o que a nosso ver seria correto.
Com
o tempo, essa prática irá se generalizar e o STF ou o Conselho Nacional
de Justiça terão que tomar uma decisão, encontrar uma solução. Se o
Jornal do Povo ou qualquer outra mídia ou blogueiro não tiverem
condições de ir a todas as comarcas para se defender de ações múltiplas,
não poderão ser condenados. Se a Lei das Pequenas Causas prescreve que
se não comparecerem às audiências serão considerados revéis e
possivelmente condenados, por outro lado, a Lei Maior, a Constituição,
diz que ninguém pode ser condenado sem exercer o direito de defesa.
Sequer se o Estado financiar as muitas viagens, estadias e advogados
desse jornalista seria uma solução se ele não tiver outros recursos que
não seu trabalho, portanto seu tempo, para sobreviver, ou mais ainda,
prover a sobrevivência da família.
Esperemos para ver que rumo tomará essa esfinge.
Nenhum comentário:
Postar um comentário