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Lutero e o demônio da contestação
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Gregorio Vivanco Lopes
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Em
2017 completam-se 500 anos desde que o monge apóstata Martinho Lutero
afixou suas 95 Teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg, início
simbólico da heresia protestante, que quebrou a unidade da Cristandade.
Hoje
em dia, a decadência moral e religiosa chegou a tal ponto, que até nos
meios católicos já há quem fale em comemorar essa abominação. Mas não é
esse, por agora, o nosso tema.
Também
não pretendemos aqui insistir sobre a personalidade desse heresiarca,
fautor de blasfêmias contra Nosso Senhor Jesus Cristo, contra a Igreja e
o Papado, nem sobre seus incitamentos a práticas pecaminosas, nem sobre
sua vida pessoal, pois era tido como bêbado, impuro, juntado com uma
freira apóstata etc.
Ao
leitor desejoso de inteirar-se sobre esses e outros aspectos da vida de
Lutero, sugiro vivamente que leia os documentados artigos que Plinio
Corrêa de Oliveira escreveu a respeito.(1)
Meu
tema hoje é outro e muito específico. Trata-se de entender Lutero
enquanto contestatário da autoridade do Papa e da Igreja. Desse espírito
contestatário quis Plinio Corrêa de Oliveira distanciar-se
explicitamente quando, em seu famoso Manifesto da Resistência, hoje mais atual do que nunca, declarou expressamente: “jamais empregaremos os recursos indignos da contestação”.(2)
A vida esclarece a História
Ficou famoso o dito de Cícero, Historia Magistra Vitae.
Sim, a História é mestra da vida, pois pelo estudo da História temos
elementos preciosos para interpretar muita coisa do mundo que nos cerca.
Mas
também é verdade, dizia Plinio Corrêa de Oliveira, que a vida nos
ensina a interpretar a História. Pois sendo a natureza humana
substancialmente a mesma em todas as épocas e latitudes, com suas
paixões, seus problemas e seus anseios, se compreendermos como se
desenvolve a vida dos homens que caminham sob nossos olhos, teremos mais
facilidade para entender os acontecimentos que se desenrolaram no
passado.
Assim
sendo, compreenderemos mais facilmente no que consistiu a contestação
de Lutero, se entendermos os fenômenos de contestação que presenciamos
durante esta nossa vida.
Para
quem já vai adiantado em anos, como é o meu caso, o problema se
esclarece tendo por base um conjunto de observações e análises que tive
oportunidade de fazer, nos moldes da admirável escola de pensamento e
estudos legada por Plinio Corrêa de Oliveira.
Entro pois diretamente no tema.
Argumentos não demovem o contestatário
Assim
como os demônios da luxúria, da inveja, da preguiça e tantos outros
podem instalar-se numa alma, existe também um demônio da contestação com
poderes análogos.
É
de conhecimento comum que o corpo humano está sujeito a ser invadido
por vários tipos de vírus que, cada um conforme sua natureza, sabem onde
instalar-se — nos
pulmões, no intestino, na garganta ou onde for. Assim também na alma
humana, cada demônio sabe por onde entrar e onde agir. E o demônio da
contestação às autoridades legítimas ― é pelo menos essa a minha observação ―
costuma aninhar-se numa região muito profunda da alma, que não é
alcançável por argumentos lógicos nem explicações de ordem natural.
Em
outras palavras, não se queira convencer um contestatário inveterado de
que ele está errado, pois os argumentos, por melhores e mais bem dados
que sejam, batem contra uma muralha de proteção construída por esse
demônio, que isola o contestatário e o torna infenso a qualquer
argumento razoável ou de bom senso.
Um
outro aspecto da contestação que é necessário ter e vista, é seu
caráter obsessivo, pois a vítima como que não consegue pensar em outra
coisa, nem deslindar-se da situação em que se colocou.
O pretexto: falhas e defeitos da autoridade
Mas
o demônio da contestação desenvolve ainda outras atividades. Ele
procura cuidadosamente, na autoridade legítima que ele quer contestar,
possíveis falhas ou defeitos, que podem até ser muito reais, pois neste
vale de lágrimas todos estamos sujeitos a falhas e defeitos. E tais
falhas e defeitos são usados pelo contestatário como sendo a razão (de
fato, são o pretexto) para contestar a própria legitimidade da
autoridade.
Esse
aspecto da atividade diabólica é muito insidioso, pois além de ajudar o
objetante a “justificar” para si mesmo o fato de se ter tornado um
contestatário, lhe dá direito de cidadania junto aos outros da mesma
nação, região ou grupo em que ele se insere. Pois o contestatário sempre
poderá alegar que sua posição é de zelo pelo bem e pela virtude, em
face dos erros e falhas da autoridade.
Foi
o que fez Lutero, atacando a venda de indulgências (real ou imaginada)
por Leão X, e outras alegações do gênero, como razões para contestar em
princípio a autoridade do Papa e portanto da Santa Igreja.
A frente ampla contestatária
Mas
há mais. O demônio da contestação não é um ser isolado. Ele pertence a
uma família de espíritos contestatários que, todos eles, possuem umas
como que antenas de transmissão e recepção, por onde uns aos outros se
localizam, se comunicam e se unem, com o fim de constituir uma frente
ampla contestatária.
Note-se
bem. Como todos os demônios do inferno, estes também estão divididos
entre si e se odeiam mutuamente. Mas em face de sua finalidade
contestatária, deixam de lado, põem entre parênteses, suas divergências,
para melhor unir-se e fortalecer a contestação, que é sua finalidade
primordial.
Lutero
conseguiu alianças com numerosos príncipes alemães e boa parte do
Clero, o que lhe deu uma força extraordinária para avançar contra a Roma
dos Papas.
Se
os impugnadores da autoridade legítima chegam a constituir uma rede
suficientemente forte, os demônios da contestação podem conseguir
derrubar a autoridade visada, além de, evidentemente, perderem as almas
daqueles que lhes deram acolhida e se tornaram seus instrumentos. A
História nos apresenta alguns casos paradigmáticos, como os da Revolução
Francesa e da Revolução bolchevique.
No
caso de Lutero, porém, ele não conseguiu obter seu objetivo último, que
era a destruição da Igreja, porque esta tinha a seu favor a promessa de
Cristo de que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela (Mt
16,18), e que Ele a defende mesmo nas situações mais calamitosas (como
por exemplo a atual).
Pode o contestatário livrar-se do demônio da contestação?
Sem
querer fazer um tratado sobre a contestação, tarefa para a qual seriam
necessárias outras luzes e outros estudos, e que, em todo caso, nos
levaria muito longe, é preciso entretanto dizer ainda uma palavra sobre o
seguinte ponto: pode uma pessoa, na qual se aninhou o demônio da
contestação, livrar-se dele? Pode essa pessoa arrepender-se de ter dado
guarida a esse demônio, arrepender-se, bater no peito, expulsá-lo de si e
voltar a uma situação normal? Sobretudo tendo em vista que argumentos e
bom senso não são eficazes para demovê-la?
Não
pretendo referir-me às vias expressas postas ao alcance dos fiéis pela
Igreja, como são os exorcismos, pois esta é uma matéria muito complexa,
que exige especialistas para ser tratada. Não nego que o exorcismo possa
ser um meio adequado, apenas não é meu objetivo aqui tratar dele.
Meu
propósito é mais singelo. Dentro das vias habituais e conhecidas da
graça, pode uma pessoa livrar-se do demônio da contestação, depois de
lhe ter dado guarida?
Tanto
quanto consigo ver, pode. E por dois meios. O primeiro é uma ação
fulminante da graça na alma, que se exerce a rogos de Nossa Senhora, e
que num instante livra a vítima do demônio, e a faz como que acordar do
pesadelo para a vida real.
O
outro caminho, mais comum, é pavimentado pelas graças que vão sendo
dadas com alguma frequência, para ir alertando a pessoa-vítima sobre a
situação em que se encontra. Pois Deus não quer a morte do ímpio, “mas que se converta e viva”
(Ez 33,11). Essas graças fazem com que a pessoa pergunte a si mesma:
será que estou certo? Estarei no bom caminho? Eu não deveria mudar minha
posição e pedir perdão? Será muito duro fazer isso, mas não está em
jogo a minha salvação? São problemas de consciência que o contestatário
se põe.
Se
a pessoa, assim solicitada pela graça, fechar seu coração a essas
perguntas, melhor se diria a essas inspirações do Espírito Santo, pouco
se pode esperar de sua conversão. É o caso de Lutero, que a beata Sóror
Maria Serafina Micheli viu no inferno, atormentado pelos demônios.(3)
Mas
se o contestatário, pelo contrário, for obediente à voz da graça, rezar
pedindo clareza, suplicar a Nossa Senhora que o conduza, renunciar a
deixar-se guiar por seu egoísmo, pedir forças para fazer a imolação
interior da própria vontade e o sacrifício das próprias vistas
equivocadas, então tudo se pode esperar. Nossa Senhora não rejeita um
coração contrito e humilhado (Sl 50,19) que sinceramente busca servi-La
em todas as coisas.
Foi o que faltou a Lutero fazer. Como, pois, comemorar sua revolta?
(*) Gregorio Vivanco Lopes é advogado e colaborador da ABIM
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