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FOME QUE SÓ EXISTE LÁ LONGE
Depois de muita ilusão
fabricada e propagandeada sobre reforma agrária, afinal já se começa a
cair na real. Não sobre a reforma agrária que “todo mundo quer”, mas
sobre essa da propaganda. É estranho, mas “todo mundo” diz que “todo
mundo quer a reforma agrária”; os motivos são os que “todo mundo sabe”; e
deve ser feita do modo que “todo mundo” imagina. Mas se alguém põe a
mão na massa e começam a aparecer os resultados, o que “todo mundo” vê
não é o que “todo mundo” queria ou imaginava. Muito estranho...
Faz lembrar a
demagogia de políticos falando em nome do “povo”. O que entendem por
“povo” não é bem o que “todo mundo” entende por “povo”. Não espere o
leitor que eu explique isso. Seria muito cansativo, além de
desnecessário. Afinal... bem, todo mundo entende.
Nos
primórdios da aplicação do Estatuto da Terra, houve umas experiências de
distribuição de glebas para colonização. Um assentado recebeu sua gleba
e trocou-a por uma bicicleta. Os que batucam a toada da reforma agrária
se irritaram e protestaram, intensificando a batucada. Não sei o que
propunham, mas é claro que a proposta pioraria ainda mais o sistema, que
já era ruim.
Não adiantava
apontar minhas flechas para esses demagogos, e limitei-me a comentar
com meus botões: O sujeito está querendo uma bicicleta, e dão terra para
ele; é claro que na primeira oportunidade ele vai trocar a terra pela
bicicleta. E agora me lembro de um detalhe que esclarece muita coisa: O
pessoal da reforma agrária queria proibir os assentados de vender a
terra que recebessem, transformando-os assim em servos da gleba ou do
governo, num coletivismo agrário que só dá certo na cabeça enviesada de
comunistas. Deus nos livre desses progressos e maravilhas!
Os
agro-reformistas agem por motivos ideológicos, e a realidade profunda
não lhes interessa. Se eu não soubesse disso, poderia até entoar um coro
altissonante contra a ingratidão desses pobres. Acontece que a
realidade profunda está bem mais para o que mostra uma canção de algumas
décadas atrás. Dizia assim:
Se compro na feira feijão, rapadura, pra que trabalhar?
E um versinho conhecido no Vale do Paraíba (SP) insiste:
Quando me vem aquela vontade louca de trabalhar,
Eu fico quietinho no meu cantinho
Esperando a vontade passar.
Um grande
milagre idealizado pelo governo pretendia acabar com a fome. Longe de
mim propor que não se acabe com a fome, tanto mais que a única fome
confirmada pelas estatísticas parece ser a dos que fazem regime para
emagrecer. Mas vamos ponderar umas coisinhas.
Não espanta que o
governo tenha elucubrado um projeto milagroso para eliminar a fome. E
autoridades de Guaribas – considerado o município mais pobre do País,
por isso mesmo escolhido para iniciar a aplicação do milagre –
confirmaram que o povo de lá é pobre, mas negaram que haja alguém
passando fome. Se burocratas tão clarividentes, tão esbanjadores do
dinheiro público, querem dar dinheiro mensalmente a essas pessoas, é
claro que ninguém vai recusar. Mas se eles já não passam fome, vão
aplicar o dinheiro em outra coisa. E fazem muito bem. Consigo até prever
resultados como o de um projeto assistencialista de governos
anteriores:
Plantando dá,
Não plantando dão.
Pra que plantar?
Não planto não.
Conforme se
anunciou, o objetivo do plano miraculoso é permitir que cada brasileiro
tenha três refeições por dia. Ainda bem que se falou em permitir, e não
em obrigar, pois eu me limito a duas refeições diárias. Mas nunca se
sabe se os socialistas utópicos vão assumir sua face ditatorial, de modo
que já vou me preparando para ser obrigado a três refeições diárias.
Muito
comovente o exemplo evocado por um figurão de origem humilde, que só
conheceu pão com a idade de sete anos. O que não o impediu, aliás, de
adquirir aquele perfil bem nutrido e uma esperteza que alguns elogiam.
Incluam-me também nesse muro das lamentações, pois na fazenda onde nasci
não se comia pão. Só havia biscoito de farinha, biscoito de polvilho,
rosca doce, rosca seca, bolacha, rosquinha, sequilho, quebra-quebra,
broa de fubá, calcanhar-de-negro, bolo, bolinho, sonho, brevidade,
pastel, croquete, rocambole, panqueca, empada, omelete, curau,
pamonha... Acho que estou esquecendo alguma coisa. Ah! havia pão de Lot e
pão de queijo. E nunca vi por lá o tal “pão que o diabo amassou”.
O curioso é
que “todo mundo” sabe que a fome existe. Mas nunca por perto, sempre lá
longe, aonde ninguém foi nem vai para confirmar.
(*) Jacinto Flecha é médico e colaborador da Abim
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